terça-feira, 29 de maio de 2007

Estado de choque

Como reagir ao disparo de uma bala? A um carro desgovernado? Enfim, como reagir a uma informação impactante sem sentir por pelo menos alguns segundos um estado de choque paralizante? É muito difícil, por isso é compreensível como as notícias sobre os recentes ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) à cidade de São Paulo geraram o caos na maior metrópole brasileira.

Muito boatos circularam durante o dia 15 de maio de 2006 sobre o que estava acontecendo na cidade, e alguns desses boatos apareciam em veículos jornalísticos, que, ao exemplo da população e sua 'apuração boca-a-boca', foram se desmentindo e se contradizendo durante os dias que se seguiram. O choque atingiu também os jornalistas e estes buscavam 'cegamente' maiores informações sobre a rotina dos ataques.

Esta apuração 'desesperada', que abre espaço para os boatos assumirem o lugar do fato verdadeiro, tem explicação científica. Ramón Salaverría, em seu texto "Los Cibermedios Ante Lãs Catástrofes: Del 11S al 11M", dedica dois parágrafos justamente para explicar a importância do 'fator-surpresa', usando os casos dos ataques terroristas à Nova York e à Madri:

"Antes de '11 de setembro' e de '11 de Maio' as sociedades estadunidense e espanhola não esperavam ser objeto de semelhantes atentados terroristas; ...; Por isso as surpresa auxiliou a gerar um estado de choque coletivo, que potencializou o impacto informativo das notícias."

Portanto, além da população se desesperar e propagar notícias inverídicas inconcientemente, a imprensa provou do mesmo cálice dirante os ataques do PCC em maio de 2006, uma vez que os profissionais deste meio também conviviam com uma situação perigosamente nova e, como antes de tudo são seres humanos, sofreram do mesmo choque que paralizou, por uma tarde, milhões de paulistanos de suas vidas normais.

Boataria e informação: tudo no mesmo saco

Em 2006 o estado de São Paulo passou por uma série de ataques coordenados pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Nesse momento, a mídia – como define o texto de Ramón Salaverría – passou por uma situação de exigência máxima. Portanto, mais do que qualquer cobertura especial, esse acontecimento permite uma análise segundo as observações do texto “Los Cibermedios Ante Lãs Catástrofes: Del 11S al 11M”.
Em primeiro lugar é preciso ressaltar que, analisando a cobertura on-line brasileira, tentaremos definir o grau de evolução de ciberjornalismo brasileiro frente a uma situação limite. Assim como na Espanha, a internet nacional vem se desenvolvendo desde 1994 e, pois, ainda é um veículo novo e não tão consolidado como a televisão e o rádio.
A vantagem da rede mundial de computadores em relação a outras mídias é a velocidade com que as notícias podem ser publicadas. No entanto, nessa ocasião, algumas televisões – como a Globo e a Record – tiveram sua programação totalmente dedicada ao acontecimento. Então, os portais foram obrigados a se superarem ainda mais, aumentando a quantidade de artigos e notícias especulativas e errôneas. No site do Último Segundo, do portal ig, por exemplo, a seguinte passagem foi publicada: “Bilheteria de uma estação do metrô de São Paulo foi alvejada por um grupo de bandidos.” Na verdade, nenhuma bilheteria foi atacada. Trata-se de um rumor.
Os “boatos” (como definiu a Polícia Federal à época) jogados na internet não só por “blogueiros”, mas também por sites informativos conceituados, ajudaram a criar uma onda de terror que, assim como nos ataques terroristas em Madri, deixaram a população em pânico. Em seu texto, Salaverría chega, inclusive, a dizer que os terroristas que atacaram a capital espanhola sabiam que a repercussão afetaria a população ainda mais do que os próprios ataques. Para ele, o “mas-mediated terrorism” é ainda mais eficiente para apavorar a população do que os próprios ataques.
A avançada tecnologia – que permitiu que milhares de pessoas acessassem os portais ao mesmo tempo – e o grande número de jornalistas da maior capital brasileira – que proporcionou uma cobertura extensa – colaborou para a difusão dos boatos. Nesse caso, portanto, o que deveria ser vantagem, se tornou ruído.
Um exemplo que prova tais análises pode ser encontrado em um balanço, publicado no portal Uol, sobre os ataques do PCC. “Ele [Um Coronel da PM] atribuiu essa situação - um autêntico "toque de recolher espontâneo" - à cobertura da imprensa e à boataria que se propaga pela Internet, mensagens de SMS e celulares.”
É difícil, todavia, saber se algum portal ficou isento dessa contaminação. A princípio, a Internet serviu para propagar informações desencontradas. Como a dinâmica de troca de dados na rede é muito grande – principalmente devido ao largo acesso da população –, os jornalistas acabaram tomando o caminho mais fácil; a cobertura de escritório. Por outro lado, a confluência de mídias permitiu que imagens e vídeos chegassem mais rapidamente às pessoas.

Conclusão

Mais do que propagadores de notícias em tempo real, os portais da internet trabalharam como disseminadores de boatos. Devido tamanha incerteza gerada pelos ataques do PCC, a mídia virtual se viu em um impasse: publicar notícias ainda que pouco apuradas ou deixar de noticiar o fato mais importante do momento.

Mensagens de messenger e de blogs também contribuíram com os boatos. Caberia aos portais de notícias procurar desvendar o que era de fato verdade. A informação mal passada gera ruído e a mensagem do terror, uma vez passada, ecoou por toda a população.

Um exemplo: será que vale a pena publicar uma notícia dizendo que "uma estação de metrô foi atacada" sem, ao menos, saber qual foi esta estação? Quando o portal Ig publicou esta (des) informação, abriu mão de uma das questões chave do lead jornalístico, o "onde?". Horas depois, já havia boatos sobre bombas em vários metrôs. Custava tanto assim esperar um pouco para saber que estação que sofreu o ataque era a Artur Alvim?

Entre exclamações e reticências

Faz tempo, é verdade, mas é só tocar no assunto que muita gente tem história demais para contar.

PCC? Ah, sim eu estava no trabalho quando começaram a chegar um monte de e-mails, as páginas principais dos portais mostravam ataques e de repente..."todo mundo pode ir embora", ou melhor o discurso não era esse não, era: "pessoal é melhor irem para casa. Eles estão atacando...".

Meus e-mails diziam: "ISSO É URGENTE!! > >HOJE ÀS 18HS HAVERÁ UM ATAQUE DE VIOLENCIA NA CIDADE.... POR FAVOR, ESTEJAM >EM SUA CASA ÀS 18HS!!! > > AS 18 HS, VAI TER UMA AÇÃO DE VIOLÊNCIA NA CIDADE, A DIRETORIA DE UMA > GRANDE EMPRESA RECEBEU UMA CARTA DA POLÍCIA ÀS 10H DE HOJE AVISANDO A > RESPEITO DISSO...." . Saí correndo para casa. Para quê? Fiquei mais de duas horas no trânsito, com mais raiva dos e-mails que recebi do que no próprio PCC. "Se fosse para fazer alguma coisa, fariam agora que tem um monte de carros empacotados nessa avenida".

Já em casa, depois do sufoco, tudo parecia mais calmo. Comecei a ler as notícias na internet e vi minha cidade vazia. Nada de bombas, nada que napalms, nada de ataques aéreos. Foi duro sim, mas passou. Os boatos foram, certamente, piores. Uma semana depois, pelo mesmo e-mail, pela mesma pessoa eu já receberia piadinhas sobre o caso...